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Artigo Científico – MP 664 – Dr. Everson Salem Custódio

ASPECTOS CONTROVERTIDOS E POLÊMICOS SOBRE A MP 664 DE 30 DE DEZEMBRO DE 2014 –  IMPACTOS NO REGIME GERAL E PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SOCIAL

DR. EVERSON SALEM CUSTÓDIO

1- INTRODUÇÃO

Como vem sendo praxe em nosso país, a legislação previdenciária tem tido suas reformas iniciadas por medidas provisórias, sempre em início de mandato e/ou em finais de ano, em momentos festivos, onde a população está demasiadamente envolvida com votos de reconciliação e fraternidade que não se atenta como deveria para as mudanças legislativas, capazes de trazer sérios prejuízos ao seu bem estar, financeiro, principalmente.

Vale recordar algumas das modificações ocorridas, como no dito popular: “na calada da noite”: Emenda Constitucional 20, de 15/12/1998, que acabou com a aposentadoria proporcional, dentre outras mudanças; Lei n. 9876, de 26/11/1999, que criou o famigerado Fator Previdenciário; Emenda Constitucional n. 41, de 19/12/2003, que alterou os critérios de elegibilidade para aquisição das aposentadorias dos servidores públicos.

Não foi diferente com Medida Provisória n. 664/2014, que publicada em 30/12/2014, alterou consubstancialmente o benefício de pensão por morte, tanto para o Regime Geral de Previdência Social – RGPS –, quanto para o Regime Próprio de Previdência Social – RPPS –, bem como para o auxílio-doença.

Historicamente, a medida provisória surgiu na Constituição Federal de 1988 (art. 62), para substituir o antigo decreto-lei, disposto na Constituição Federal de 1969, que por ato do Presidente da República, se não fosse questionado pelo Congresso Nacional, tornava-se lei vigente no país.

Hoje ao contrário do que ocorria com o decreto-lei a medida provisória, que, com força de lei, apenas suspende a legislação antiga, na hipótese de não ser convolada em lei pelo Congresso Nacional, perde sua eficácia, desde sua criação[1].

A MP, que tem o objetivo de suprir urgências, atualmente vem reiteradamente sendo protagonista de reformas previdenciárias, o que gera demasiado prejuízo a toda população brasileira, na medida em que, por esse meio, não há tempo hábil para o devido diálogo entre, parlamentares, ministérios, judiciário e entidades de representação dos aposentados, trabalhadores e órgãos de classe diretamente interessadas nessas modificações.

O objetivo desse artigo, portanto, não é esgotar o tema, mas tecer comentários e críticas referentes à MP n. 664/2014, inclusive em comparação com os regimes de previdência: Regime Geral de Previdência Social (RGPS, INSS) e Regime Próprio de Previdência Social (RPPS, servidores públicos) e propor sugestões para o debate no Congresso Nacional, sobre temas relevantes não tratados ou tratados de forma pouco louvável na referida medida provisória.

2- ALTERAÇÕES NA PENSÃO POR MORTE

1.1. Da Instituição da Carência

O benefício de pensão por morte está inserido no contingente dos benefícios de risco da previdência social, pois não se sebe quando pode ocorrer um falecimento, assim como os benefícios acidentários, diferenciando-se dos benefícios programáveis, como: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria voluntária, etc., por isso não se exigia carência de contribuições como critério de elegibilidade.

Com o advento da MP n. 664/2014, sob a justificativa de ocorrências de fraudes à previdência, foi instituída carência mínima de 24 (vinte e quatro) meses de contribuição, sendo essa alteração tanto no âmbito do RGPS, quanto no RPPS.

Em ambos os regimes foram instituídas exceções, da exigência da carência, conforme será visto em seguida.

No RGPS, isenta-se de carência quando segurado instituidor (“de cujus”), se encontrar em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez ou ainda, nos casos de acidente de trabalho.

Já no RPPS, a carência fica isentada na hipótese de morte por acidente de trabalho, acometimento de doença profissional ou do trabalho.

Ao observar os critérios de exceção ao cumprimento de carência ambos os regimes prestigiam o acidente laboral, mas deixam de lado o acidente de qualquer natureza.

O acidente de qualquer natureza faz parte do risco que deve ser protegido pela previdência social, e essa é uma tendência da evolução previdenciária, como se observa da Lei n. 9032/95, que acrescentou o acidente de qualquer natureza, como hipótese de concessão do benefício de auxílio-acidente, cujo qual era concedido tão somente ao trabalhador acometido de acidente do trabalho[2].

Ora, é pouco provável que o segurado após um mês de trabalho lance seu carro na ribanceira para simplesmente ter concedido o benefício de pensão por morte aos seus dependentes.

Logo, se a com MP não incluindo o acidente de qualquer natureza quis proteger o sistema de fraudes, acabou por prejudicar a grande massa dos dependentes daquele que vem a óbito por acidente, por conta de minoria que vem eventualmente venha se suicidar para garantir benefício aos seus familiares.

Por outro lado, esse critério pode não ter sido incluído por relapso, assim, o Congresso Nacional terá a oportunidade de debater tal questão, antes de convolar em lei a MP n. 664/2014.

1.2. Do Tempo Mínimo de Casamento ou União Estável

No mesmo critério de temporariedade também o casamento e a união estável devem respeitar o tempo mínimo de 24 (vinte e quatro) meses para que o dependente faça jus à pensão por morte.

Nesse caso também há exceções, ou seja, na hipótese do falecimento do segurado instituidor, por morte acidental, ou no caso do dependente ser incapaz de exercer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência, desde que essa incapacidade se dê, da data do casamento ou união estável, até a data do óbito.

Essas alterações são válidas, tanto para o RGPS, quanto para o RPPS.

Note-se que a MP n. 664/2014 é contraditória, pois quando se trata da carência, limita-se a isenção apenas no acidente do trabalho, mas no caso do tempo mínimo de convivência, a norma é mais abrangente, acolhendo o acidente de qualquer natureza, pois o texto apenas se refere a “acidente”, ou seja, não reduz a acidente do trabalho.

Logo, há se repensar pelo Congresso Nacional a exceção à exigência de carência na hipótese de acidente de qualquer natureza, pois se trata de benefício de risco, onde não difere o acidente de qualquer natureza do acidente de trabalho.

Outra questão que se indaga no pertinente à exceção referente ao tempo mínimo de casamento ou união estável é o fato de que a incapacidade para o trabalho do dependente deva ocorrer posterior ao casamento.

Nesse caso, à primeira análise, entende-se ferir o princípio da isonomia, haja vista que o segurado instituidor pode unir-se com pessoa que já seja incapaz para o trabalho, mas possua capacidade civil, o que não impede de constituir um casamento ou união estável.

A dependência econômica daquele que contraiu a incapacidade antes ou depois da união conjugal é a mesma, não há porque dessa discriminação, de deixar à margem do benefício previdenciário o dependente incapaz de prover o próprio sustento, simplesmente porque sua incapacidade laborativa adveio anterior à data do casamento ou união estável.

Observe-se que as fraudes ocorridas em pensão por morte, diziam respeito ao segurado instituidor, já doente, ou idoso, que se casava com a (o) cuidadora/cuidador, em retribuição aos cuidados no fim da vida.

Já em se tratando de beneficiário incapaz para o trabalho, é improvável que o segurado já doente, se case com outra pessoa, também doente, e mais, incapaz para o trabalho, somente para ser sua dependente, sem que lhe possa ao menos cuidar-lhe até o fim da vida.

Com efeito, a discriminação do incapaz para o trabalho anterior ao casamento ou união estável é matéria a ser discutida também perante o Congresso Nacional.

1.3. Da Vedação do Benefício ao Indigno

Uma mudança que já se esperava há muito é a de não concessão do benefício de pensão por morte ao dependente indigno, este, configurado pela pessoa que atenta dolosamente contra a vida do segurado instituidor.

A Justiça já vinha referendando a cessação do benefício, nessas hipóteses, utilizando-se a legislação civil como analogia, para tanto, mas até então a lei previdenciária era omissa nessa questão[3].

Tal regra vale tanto para o RGPS, quanto para o RPPS.

Nesse caso a celeuma que certamente será instalada, será na hipótese do inimputável que assassinou o segurado instituidor. Apesar de ser indigno é inimputável.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como no Código Penal, o menor de 18 (dezoito) anos é penalmente inimputável[4].

A lei penal também considera inimputáveis aqueles que possuem desenvolvimento mental incompleto, que no momento do crime seja inteiramente incapaz de discernir o que esteja fazendo, ou ainda, considera-se como medida de atenuante penal o indivíduo que não era capaz de entender inteiramente o caráter ilícito do fato[5].

E ainda, o Código Civil disciplina em seu art. 3º, Cabeça e inciso I, que: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil (…) os menores de dezesseis anos”.

Em contrapartida, a Lei n. 8213/91 disciplina em seu art. 103-A que os benefícios recebidos de má-fé poderão ser cessados e cobrados sua devolução[6].

Diga-se, por exemplo, que determinado dependente tenha assassinado seus genitores e venha a requerer o benefício de pensão por morte. Até que haja o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ele terá concedido seu benefício, do contrário estar-se-ia colidindo com o comando Constitucional, disposto no art. 5º, LVII[7].

Pois bem, após a constatação pela via criminal de que esse dependente é indigno, simplesmente seu benefício será cessado ou deverá devolver os valores, com juros e correção monetária, recebidos de má-fé, mesmo sendo inimputável?

Como atribuir má-fé a quem não possui discernimento das atitudes que comete?

Ora, se o indivíduo não pode responder pelo crime, justamente por não saber o que estava fazendo, mormente em se tratando de menor de dezesseis anos ou o totalmente incapaz por alienação mental, será justo que não aufira o benefício previdenciário?

Essas questões a MP n. 664/2014 não tratou e certamente o Congresso Nacional também não tratará e mesmo se tratar, a discussão, sem sombra de dúvidas ainda irá bater às portas do judiciário, que terá a árdua tarefa de decidir acerca da possibilidade de cessação e quiçá de devolução dos valores auferidos a título de pensão por morte do indigno inimputável.

1.4. Da Duração do Benefício ao Cônjuge ou Companheiro (a)

O caráter vitalício das pensões de cônjuge, companheiro e companheira, foram alterados, neste caso, para ambos os regimes: RGPS e RPPS.

O que antes era vitalício, agora deve respeitar uma tabela, utilizada com fulcro na expectativa de vida divulgada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –.Expectativa de sobrevida à idade x do cônjuge, companheiro ou companheira, em anos (E(x))Duração do benefício de pensão por morte (em anos)55 < E(x)350 < E(x) ≤ 55645 < E(x) ≤ 50940 < E(x) ≤ 451235 < E(x) ≤ 4015E(x) ≤ 35Vitalícia

Assim, com essa regra, atualmente, somente o cônjuge ou companheiro (a) que tiver 44 (quarenta e quatro) anos ou mais é que fará jus ao benefício de forma vitalícia.

A exceção à regra, que é válida para os dois regimes: RGPS e RPPS, é dada na hipótese do beneficiário se encontrar incapaz de prover o próprio sustento, por incapacidade laborativa, por motivo de doença ou acidente ocorrido entre o casamento ou início da união estável e a cessação do pagamento do benefício.

Nesse aspecto da incapacidade entre a data do casamento ou união estável também critica-se a discriminação do dependente que já se encontrava incapaz antes da convivência.

3- REGRAS DE CONVERGÊNCIA E O DIREITO À PENSÃO POR MORTE DO MENOR SOB GUARDA

Desde o advento da EC n. 20/98, e sucessivamente, com as EC n. 41/2003 e 47/2005, busca-se regras de convergência entre os regimes de previdência.

Ocorre que, pelo que aparenta as regras de convergência sempre buscaram reduzir benefícios dos servidores abrangidos pelo RPPS, aproximando-os aos critérios menos favoráveis estabelecidos no RGPS.

Na MP n. 664/2014, a Presidência da República já que tem a intenção de reformar os critérios de acesso ao benefício de pensão por morte poderia realizar regra de convergência no pertinente à pensão por morte ao menor sob guarda, garantindo em lei esse direito aos segurados do RGPS, assim com o é no RPPS.

Em verdade não seria nem uma equiparação, mas a retomada de um direito que já era garantido aos segurados do RGPS, mas teve extraído da Lei de Benefícios essa possibilidade, quando do advento da Medida Provisória 1523/97, convolada na Lei n. 9528/97.

Todavia, a MP N. 664/2014 seguiu a mesma tendência de minoração de direitos, extraiu do RPPS a possibilidade do menor sob guarda.

Ocorre que, não houve revogação expressa do texto que garantia o direito à Pensão por Morte ao menor sob guarda, pois a MP n. 664/2014, apenas revogou expressamente os artigos 216 e os §§ 1º a 3º do art. 218 da Lei n. 8112/1991.

O fato é que o art. 217 foi totalmente reestruturado, e o dispositivo que tratava do direito do menor sob guarda e tutela, que se encontrava em sua alínea “b”, do inciso II, passou para o §5º, onde apenas está amparado o menor sob tutela, com a supressão do menor sob guarda de seu texto.

A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, em seu art. 2º, §1º, disciplina que quando a lei nova trata inteiramente da matéria em que tratava a anterior, revoga-se o texto antigo[1].

Com efeito, se o Congresso Nacional convolar em lei a referida Medida Provisória, estará suprimido, por lei, o direito de Pensão por Morte do menor sob guarda.

No entanto, tal supressão não se coaduna com o fim social a que se destina o benefício de Pensão por Morte, que nesse caso visa à proteção indissociável à fragilidade e impotência de subsistência do menor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 33, disciplina que o menor sob guarda adquire status de filho, com todos os direitos a ele inerentes, inclusive os previdenciários.

Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tende a garantir o direito ao menor sob guarda, como se observa dos julgados da segunda turma e da primeira seção[2], mas ainda assim há julgamento atuais desfavoráveis, na sexta turma[3].

Portanto, pelo que aparenta, o menor sob guarda dependente de segurado do RPPS, que antes fazia jus ao benefício com simples requerimento administrativo, deverá buscar seus direitos perante o Poder Judiciário, caso o Congresso Nacional não modifique o texto da MP n. 664/2014.

4- DAS MODIFICAÇÕES NO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO DOENÇA

4.1. Da Limitação do Valor do Benefício

A MP n. 644/2014, deveras se propôs a todo custo reduzir o valor das despesas orçamentárias com benefícios previdenciários, e o auxílio-doença foi um dos benefícios afetados, principalmente pelo fato de em alguns casos o benefício de auxílio-doença ser pago em valor superior à renda da ativa, a fim de não causar estímulos de comportamento dos segurados.

Em 2005, com a MP n. 242, já se tentou reduzir o valor do benefício de auxílio-doença, mas teve sua constitucionalidade questionada pelas ADI n. 3467, 3473 e 3505.

Na atual MP propõe-se a limitação do auxílio-doença à média aritmética simples dos doze últimos salários de contribuição.

Não diferente do que já ocorreu outrora, a constitucionalidade da referida mudança será questionada. Esse é o entendimento de João Batista Lazzari[1]:

“De todo modo, há sinais claros de que a média vulnera o preceito insculpido no §11 do art. 201 da Constituição Federal, o qual prevê que os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, devem ser incorporados ao salário para efeito de contribuição e valoração no cálculo do benefício.”

Portanto, sem dúvida, esse tema será vorazmente discutido em sede de controle de constitucionalidade concentrada e difusa.

Outra alteração importante, que causará impacto financeiro para as empresas é que se ampliou o dever de pagamento inicial do auxílio-doença, sendo que antes a empresa era responsável pelo pagamento dos primeiros quinze dias de salário, hoje os trinta primeiros dias de afastamento ficam a cargo da empresa.

Tal medida, além de desonerar a previdência, estimula as empresas a tomarem medidas mais eficazes de proteção ao trabalhador, evitando-se acidentes de trabalho.

5- CONCLUSÃO

Como visto a MP n. 664/2014 pretende iniciar nova reforma previdenciária, com mitigação de valores dos benefícios de auxílio-doença e de forma drástica à pensão por morte do RGPS, além de criar novas regras para o critério de elegibilidade das pensões por morte, em ambos os regimes.

O fato é que o Congresso Nacional deve repensar as modificações propostas pela Presidente da República, pois o impacto orçamentário que pretende diminuir pode ser em vão, na medida em que fazendo modificações que colidem com preceitos constitucionais, se tornarão matéria de ampla discussão perante o Poder Judiciário.

O caso da limitação do benefício de auxílio-doença é um exemplo muito claro disso, mesmo porque, quando já se tentou fazer isso, com a MP n. 242/2005, teve como resposta da Suprema Corte o julgamento de inconstitucionalidade.

Além disso, as regras discriminatórias e anti-isonomicas devem ser revistas pelo Congresso Nacional, quais sejam:

A exclusão do menor sob guarda, do RPPS, que nesse caso, ao contrário de criar “regra de convergência” com o RGPS, excluindo um direito, haveria a MP n. 664/2014, de restabelecer o direito do menor sob guarda do RGPS e manter intacta a norma do RPPS, pois o Superior Tribunal de Justiça, pelo recente julgamento de sua primeira seção já referendou esse direito, prestigiando o ECA em detrimento da norma discriminatória previdenciária.

O dependente incapaz para o trabalho anteriormente ao casamento ou início da união estável também deve fazer jus ao benefício de pensão por morte, de modo vitalício.

O critério de exceção da carência de vinte e quatro contribuições, para fazer jus a pensão por morte, deve abranger, além do acidente de trabalho, o acidente de qualquer natureza.

Portanto, o debate somente está começando acerca da nova reforma previdenciária, proposta de forma lamentável por medida provisória, devendo o Congresso Nacional se manifestar de forma a não mitigar os benefícios conquistados pelos trabalhadores, por gerações, com intuito primeiro de evitar o retrocesso social.

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